quarta-feira, 30 de novembro de 2011

ABRAÇO DE DESPEDIDA

“O”, o álbum mais belo de Damien Rice, transpõe as mais profundas melancolias do artista irlandês e faz com que todas as minhas sejam postas à flor da pele, com suas melodias que desenham mãos que adoram apertar mais e mais meu coração.

Escutei-as ao acaso, enquanto cumpria tarefas escolares. Tanto perturbador quanto gracioso, “O” me trazia sentimentos até então desconhecidos, ocultos por meu corpo orgulhoso.

Sua melancolia é justificada: Rice dedicou seu álbum a um amigo muito próximo, Mic Christopher (também músico), que havia morrido em 2001, por um traumatismo craniano. Quis realizar um trabalho voltado a sua homenagem ao amigo, não à venda do mesmo.

A faixa “Cheers Darlin’”, a sétima da obra, trouxe-me uma nostalgia quase insuportável, bem como “Cannonball”, que, ainda que mais ritmada, apresenta e mescla-se a muitas versões da realidade em que vivo, geralmente, as mais depressivas.

Religiosamente, passei a escutar “Volcano”, outra canção. Com inferências e livres improvisações de clarinete e violoncelo, traz também a mais pura poesia em inglês. Esta é notável, principalmente, em “I Remember”, em que o vagaroso folk transforma-se em um rock acústico frenético: “Come all you lost, dive into moss. I hope that my sanity covers the cost, to remove the stain of my love in paper mache” (do inglês: “Venham todos vocês perdidos, mergulhem nesse musgo. Eu espero que minha sanidade cubra o custo de remover a mancha de meu amor em papel machê”).

Seu sentido parece inexistente, porém, em um contexto musical, encaixa-se em histórias pessoais e cai como uma luva em qualquer interpretação do ouvinte. A faixa anteriormente mencionada, com seu processo de transformação harmônica e de gênero simbolizou, em minha vida, a metamorfose que passei entre os pensamentos e sentimentos, que passaram de serenos a turbulentos.

A voz de Damien me parece macia como um veludo, me servindo de aconchego em tempos difíceis, para fazer-me sentir menos sozinha. Suas frases falhas, roucas e pausadas transmitem, com uma perfeição inusitada, emoção.

Rice me lembrou Tim Buckely (em seu princípio profissional, ainda focado no folk e não no sex funk), artista norte-americano por quem me apaixonei. Um Tim atual – uma vez que “O” foi lançado no ano de 2002, pela Sony Records –, que diria, assim como o próprio, em 1968: “A música faz sonhar acordado... Leva bem longe e cria um novo mundo.”.

Isso foi algo que me chamou a atenção. Finalmente, um músico que se importa mais em criar música do que fazer dinheiro (recordo-me de Clapton nos tempos de Cream).

De acordo com Shane McDermott, resenhista musical do site Cluas.com, especializado em musicistas irlandeses, elogia o álbum por conseguir quebrar a ideia de “banda padrão”, que só possui baixo, guitarra e bateria, já que Damien Rice faz uso de muitos outros recursos, principalmente de instrumentos de orquestra.

“O”, com sua tristeza persuasiva, não cria repetitividade. Mesmo com muitas faixas lentas e depressivas, cada som torna-se único: canções de duração normal de três minutos àquelas com quinze (“Eskimo”, no caso). Com minuciosos elementos em cada trabalho, sua diferenciação harmônica, melódica e rítmica, que varia entre indie, blues, rock e folk.

Mesmo que muitos o digam, não é toda a música atual que é ruim. Contemporâneas não são somente Justin Bieber e Rihanna, o trash pop comercial. Damien demonstra isso claramente.

“O”, por fim, causa-me, simultaneamente, uma profunda tristeza e saudades – de um passado recente e particular – , mas também um reconforto, um abraço tenro de alguém querido, amado, a música.

Antônia Perrone

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